ITCMD – CESSÃO ONEROSA OU DOAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS

Contribuintes devem avaliar cautelas e riscos nas transmissões em vida de quotas e ações
por Gustavo de Moraes Roehe publicado em 26/01/2023

No contexto do planejamento sucessório das empresas familiares, destaca-se a figura da holding, constituída na forma de sociedade limitada ou sociedade anônima, que tem por objeto participar de outras sociedades e/ou administrar bens imóveis e/ou móveis.

Muitos patriarcas e matriarcas buscam mitigar os riscos da sucessão empresarial, optando pela doação das quotas sociais ou ações da(s) holding(s) de que são titulares. Os benefícios são vários, e incluem: a sucessão do patrimônio familiar pode ser estruturada ainda em vida; as alíquotas do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação), em regra, são menores na doação do que na sucessão em caso de morte; e a dispensabilidade do processo judicial de inventário, evitando custas judiciais e honorários.

Conforme o art. 155, inciso I, da Constituição Federal/88, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD. No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, a base de cálculo do tributo, de acordo com o art. 14 do Decreto nº 33.156, de 31/03/1989 (“RITCMD/RS”), é “o valor venal dos bens, dos títulos ou dos créditos transmitidos, apurado mediante avaliação procedida pela Fazenda Estadual ou avaliação judicial, observando-se as normas técnicas de avaliação”.

Por sua vez, as alíquotas do imposto variam de 3% (três por cento) a 6% (seis por cento) em caso de transmissão causa mortis (art. 18 da Lei nº 8.821, de 27/01/1989), e de 3% (três por cento) a 4% (quatro por cento) em caso de transmissão por doação (art. 19 da Lei nº 8.821/89), excetuando-se os casos de isenção. As alíquotas são definidas com base no resultado da soma dos valores venais dos bens transmitidos, compreendidos em cada quinhão.

Especificamente no tocante à doação de participações sociais, os §§ 12 e 13 do art. 14 do Decreto nº 33.156/89 estabelecem que as quotas e ações de empresas que não forem objeto de negociação em bolsa de valores, ou que não tiverem sido negociadas nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores à data da avaliação, observarão o disposto em instruções baixadas pela Receita Estadual. Nesse sentido, a Instrução Normativa DRP nº 045/98, editada pela Receita Estadual do Estado do Rio Grande do Sul, estabelece, em seu Capítulo II, Seção 6.0, item 6.4, que as quotas e ações de empresas citadas acima “(…) terão seu valor venal apurado de acordo com as normas técnicas que orientam a prática de avaliação de empresas, o qual poderá considerar, para efeitos de seu cálculo, o ajuste de registro contábil, quando estiver em desacordo com os valores praticados pelo mercado na data da avaliação.

Em outras palavras, as ações de sociedades anônimas de capital fechado, bem como as quotas sociais de sociedades limitadas, para fins de determinação da base de cálculo do ITCMD, terão seu valor venal apurado de acordo com as normas técnicas que orientam a prática de valuation de empresas, avaliação, essa, procedida pela Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul.

Diferentemente, no Estado de São Paulo, o art. 14, §3º, da Lei nº 10.705/00 estabelece que a base de cálculo do imposto devido sobre a doação de quotas sociais ou ações de sociedades anônimas de capital fechado será o respectivo valor patrimonial da participação doada, não especificando, como na legislação do Estado do RS, o que deve ser considerado “valor patrimonial”, ou como deve ser apurado.

Em razão dessa ausência de definição, o Poder Judiciário foi provocado, tendo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) construído jurisprudência no sentido de que deve ser adotado, como valor patrimonial da participação societária transmitida, o valor patrimonial contábil, isto é, utilizando-se como critério de avaliação o patrimônio líquido contábil da sociedade empresária quando da transmissão da participação.

Diante dessa ausência de uniformidade nas legislações estaduais sobre a base de cálculo do ITCMD para o valuation de empresas de capital fechado, surgem dúvidas sobre a alternativa da cessão onerosa das participações sociais da(s) holding(s) aos sucessores, em substituição à doação, com o objetivo de transmitir as respectivas participações sociais aos herdeiros pelo seu valor nominal e conhecido. Sendo onerosa a cessão, esta não se sujeitaria ao ITCMD, nem ao respectivo procedimento de avaliação fiscal sem critérios objetivos.

No entanto, é importante avaliar os riscos e ponderar os reais benefícios envolvendo essa modalidade de transmissão do patrimônio.

Em primeiro lugar, é importante salientar que o Código Civil prevê, em seu art. 496, que a venda de ascendente a descendente (tal qual a cessão onerosa de participações sociais pelo patriarca ou matriarca ao herdeiro) é anulável, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante houverem expressamente consentido. Portanto, caso não se obtenha a anuência expressa dos demais herdeiros e cônjuge, a cessão onerosa de participações sociais pode ser anulada, especialmente se demonstrado que houve dissimulação de doação (o que pode caracterizar violação à legítima) ou o pagamento de preço abaixo do valor de mercado, configurando flagrante prejuízo.

Em segundo lugar, importa sublinhar que eventual ganho de capital apurado pela pessoa física proveniente da cessão onerosa de quotas ou ações de sociedade anônima de capital fechado, por preço acima do seu valor nominal, sujeita-se à incidência do Imposto de Renda, consoante o disposto no art. 21 da Lei nº 8.981/95. Desse modo, sobre o ganho de capital apurado, haverá a incidência do Imposto de Renda, com alíquotas variando entre 15% (quinze por cento) e 22,5% (vinte e dois e meio por cento) sobre a parcela do ganho de capital.

Em terceiro lugar, o que se verifica no âmbito da jurisprudência administrativa, no caso, do TARF (Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais) do Estado do RS, é que o Fisco vem contestando algumas operações de cessão onerosa de participações sociais formalizadas pelos contribuintes, ao desconstituir os negócios jurídicos entabulados e lavrar autos de infração exigindo o recolhimento do ITCMD sobre o valor venal das participações (Acórdão nº 202/22, julgado pela Primeira Câmara do TARF em 20/04/2022).

O fundamento principal utilizado pelo Fiscos estaduais para desconstituir os referidos negócios jurídicos é de que a cessão onerosa de participações sociais pelo seu valor nominal (ou próximo disso, como o contábil), e não por seu valor “real” de mercado, caracterizaria simulação do fato gerador do ITCMD, efetuando a autoridade administrativa o lançamento de ofício para exigir o recolhimento do tributo devido.

Indícios e fatores levados em consideração pelo Fisco para desconstituir cessões onerosas de participações sociais, em detrimento de doações sujeitas ao ITCMD, são: a ausência de condições no negócio; a ausência de previsão de ônus pela inadimplência dos compradores; a ausência de comprovação do pagamento do preço estipulado; e o grau de parentesco entre os contratantes.

Portanto, verifica-se que a opção pela cessão onerosa de participações sociais, por seu valor nominal ou abaixo do valor de mercado, em detrimento da operacionalização da doação, poderá eventualmente representar um risco para o doador, pois estará sujeito à desconstituição do negócio jurídico pelo Fisco estadual, bem como à lavratura de auto de infração para cobrança do ITCMD devido e de multa sobre o valor do tributo, sem contar a eventual incidência de imposto de renda sobre o ganho de capital.

Autor:
Gustavo de Moraes Roehe (gustavo@charneski.com.br)

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