CIDE – LICENÇA DE USO E DE DISTRIBUIÇÃO DE SOFTWARE – NÃOINCIDÊNCIA

Carf entende pela necessidade de efetiva transferência de tecnologia para incidência da CIDE
por Jorge Ricardo da Silva Júnior publicado em 15/04/2025

O presente artigo tem como objetivo analisar a incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico instituída pela Lei nº 10.168/2000 (CIDE-Remessas), sobre o licenciamento de uso e de distribuição de softwares à luz do Acórdão nº 3202-002.195, julgado em 17/12/2024, pela 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). 

Para tanto, em primeiro lugar, será realizada uma breve apresentação da legislação que rege a referida contribuição e seu fato gerador, bem como sobre o que se entende por transferência de tecnologia para fins fiscais.

Em segundo lugar, serão apresentados os fatos analisados no Acórdão da 3ª Seção do CARF que, conforme será visto, envolvia contratos de licenciamento de uso e de distribuição de softwares. 

Por fim, serão apresentadas algumas considerações sobre a decisão.

A CIDE-Remessas e seu fato gerador

De acordo com o caput e os §§ 2º e 3º do artigo 2º da Lei nº 10.168/2000, a CIDE será devida nas seguintes hipóteses, a seguir sintetizadas:

  1. pessoa jurídica detentora de jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior. 
  1. pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior.

Ainda, conforme esclarece o § 3º, a contribuição incidirá sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações indicadas no caput e no § 2º deste artigo.

Para o que interessa ao presente artigo, vale ressaltar o § 1º-A do art. 2º, o qual dispõe que a CIDE não incidirá sobre a remuneração pela licença de uso ou de direito de comercialização de softwares, salvo quando envolverem transferência de tecnologia. Ou seja, os pagamentos ao exterior por licenças de uso ou por licenças de distribuição/comercialização de softwares, sem transferência de tecnologia envolvida, não sofrem incidência da CIDE-Remessas.

No entanto, o que gera controvérsias nesses casos é justamente a presença ou não de transferência de tecnologia ou know-how, razão pela qual, antes de analisarmos o caso julgado pela 3ª Seção do CARF, serão apresentadas breves considerações sobre a transferência de know-how e a configuração da transferência de tecnologia no caso de softwares.

A transferência de tecnologia e a sua configuração nos casos envolvendo softwares

A Lei nº 9.279/96, que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, dispõe, em seu art. 211, sobre a competência do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para “registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros”.

Esse dispositivo é regulamentado, atualmente, pela Instrução Normativa nº 16/2013 do INPI, que em seu art. 2º dispõe o seguinte:

Art. 2º O INPI averbará ou registrará, conforme o caso, os contratos que impliquem transferência de tecnologia, assim entendidos os de licença de direitos de propriedade industrial (exploração de patentes, exploração de desenho industrial ou uso de marcas), os de aquisição de conhecimentos tecnológicos (fornecimento de tecnologia e de prestação de serviços de assistência técnica e científica), os de franquia e os de licença compulsória para exploração de patente109. (grifou-se)

Nesse contexto, dentre as modalidades de contratos que envolvem a transferência de tecnologia, tem-se o denominado know-how, que se enquadra na “aquisição de conhecimentos tecnológicos” disposta na IN nº 16/2013. Embora não exista uma definição legal no Brasil, o contrato de know-how ou de fornecimento de tecnologia não-patenteada, pode ser definido como o contrato pelo qual se realiza a transferência, de uma parte a outra, de informações técnicas não patenteadas.

Por meio desse tipo de contrato, a parte contratada se compromete, com confidencialidade, a realizar a transferência de conhecimentos secretos ou não para o contratante, sem garantia de resultados da implementação ou utilização pelo contratante em sua atividade. Dessa forma, não há intervenção do fornecedor da tecnologia na aplicação desta, de forma que o contrato é adimplido com a realização da transferência das informações técnicas e especializadas para que o contratante as utilize.

Assim, o principal elemento envolvido num contrato de know-how é a transferência de tecnologia, consubstanciada em dados ou conhecimento especializado e delimitado, adquirido pelo desenvolvimento de experiências técnica, comercial ou industrial, aplicável no setor de negócios.

Especificamente no caso de softwares, a transferência de tecnologia pode ser verificada na hipótese do art. 11 da Lei nº 9609/98 (“Lei do Software”), o qual dispõe o seguinte: 

Art. 11. Nos casos de transferência de tecnologia de programa de computador, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial fará o registro dos respectivos contratos, para que produzam efeitos em relação a terceiros.

Parágrafo único. Para o registro de que trata este artigo, é obrigatória a entrega, por parte do fornecedor ao receptor de tecnologia, da documentação completa, em especial do código-fonte comentado, memorial descritivo, especificações funcionais internas, diagramas, fluxogramas e outros dados técnicos necessários à absorção da tecnologia.

Conforme se pode extrair do dispositivo legal, a transferência de tecnologia pressupõe, especialmente, a entrega do código fonte.  Além disso, poder-se-ia afirmar que há transferência de tecnologia se, junto ao fornecimento de um software, houvesse a transmissão de know-how.

Apresentado esse breve quadro, a seguir será analisado o julgamento do Acórdão nº 3202-002.195.

O caso analisado no Acórdão nº 3202-002.195

De acordo com o termo de verificação fiscal (TVF), o lançamento teria como motivação os pagamentos efetuados pelo contribuinte para empresas do grupo no exterior “por licenças de uso e distribuição de softwares e a exploração dos respectivos direitos autorais (“royalties”), com transferência da respectiva tecnologia”. Para a fiscalização, os contratos poderiam ser objeto da CIDE, pois teriam natureza de contraprestação pela licença do direito de uso de “conhecimentos tecnológicos, decorrentes de contrato que implica transferência de tecnologia”.

Assim, o tipo de atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte se enquadraria duplamente nas hipóteses previstas no artigo 2º. da Lei nº 10.168 /2000, pois o sujeito passivo é pessoa jurídica detentora de licença de uso de conhecimentos tecnológicos e é signatária de contrato que implica tacitamente na transferência de tecnologia.

O argumento da fiscalização baseou-se, especialmente, nas cláusulas de um acordo (Acordo de vendas e distribuição intragrupo”) com uma empresa do grupo (“Empresa A”), que indicavam que poderia haver transferência de tecnologia em certas hipóteses. As cláusulas citadas pela fiscalização demonstravam, de fato, que poderia haver modificações que necessitariam de acesso ao código fonte do software, bem como melhorias, adições e personalizações no produto que demandariam o acesso a informações confidenciais.

Diante disso, a fiscalização entendeu que estaria configurada a transferência de tecnologia, inclusive citando caso do mesmo contribuinte julgado anteriormente pelo CARF (Acórdão nº 3402-005.396, de 24/07/2018).

O contribuinte apresentou impugnação e, no mérito, alegou, em síntese, que a autuação abrangia um conjunto de contratos de licença de uso e de distribuição de software, nos quais seria flagrante a ausência de transferência de tecnologia pois, em nenhuma delas, haveria transmissão do código fonte dos softwares licenciados. 

Ainda, defendeu a nulidade do auto de infração pelo fato de a fiscalização ter se baseado apenas em um contrato firmado entre o contribuinte e a empresa do mesmo grupo, presumindo a natureza dos contratos firmados com outras empresas. Em razão disso, o contribuinte juntou cópias dos contratos firmados com as outras empresas (com exceção de uma delas, “Empresa B”) e a autoridade julgadora determinou a realização de diligência, que culminou em posterior relatório de diligência e em aditamento da impugnação pelo contribuinte. 

No referido Relatório, a própria autoridade fiscal reconheceu que a maior parte dos pagamentos versavam sobre contratos sobre contratos de licença de softwares com funções acessórias e auxiliares, muitos deles com a previsão expressa de não alteração do código-fonte. Com isso, foram cancelados os valores relativos aos pagamentos decorrentes dos contratos analisados em que não envolveram transferência de tecnologia (acesso ao código-fonte).

Nesse contexto, a Delegacia de Julgamento da Receita Federal do Brasil acolheu os termos da diligência e julgou a impugnação procedente em parte. Posteriormente, o contribuinte interpôs Recurso Voluntário reiterando os argumentos utilizados na impugnação no que diz respeito aos contratos firmados com a Empresa A e com a Empresa B.

Quanto aos valores pagos à Empresa B, o entendimento foi pela manutenção da autuação, visto que ausente a comprovação dos contratos que lastrearam a operação com a empresa contratada. 

Já em relação ao contrato com a Empresa A, que havia fundamentado a autuação, a Relatora citou os argumentos do contribuinte e apresentou trechos do contrato que demonstravam que a contraprestação era por uma licença de distribuição dos softwares, não envolvendo acesso ao código fonte.  

A Relatora contrastou estes trechos com as cláusulas do “Acordo de Vendas e Distribuição Intragrupo” que indicavam uma possível transferência de tecnologia.

Nesse sentido, afirmou que, não obstante houvesse previsão sobre a possibilidade de acesso ao código fonte, tais procedimentos eram condicionados à consulta com a Empresa A. Assim, para confirmar que houve transferência de tecnologia os respectivos documentos de autorização emitidos pela Empresa A deveriam ter sido juntados aos autos. 

Ou seja, a mera previsão contratual não pressupõe o acesso efetivo ao código fonte, uma vez que este estava condicionado a autorização da empresa detentora da tecnologia. 

Conforme referiu a Relatora, para comprovar a transferência de tecnologia, a Fiscalização deveria ter juntado a documentação prevista no art. 11, parágrafo único, da Lei do Software, os quais devem ser apresentados para registro no INPI, quando há transferência de tecnologia de software.

Portanto, não havendo comprovação da transferência de tecnologia, foi afastada a cobrança da CIDE no caso. 

Conclusões sobre a decisão

À luz das premissas estabelecidas após a análise do fato gerador da CIDE e das considerações sobre a transferência de tecnologia, é possível concluir que a decisão do CARF foi acertada ao derrubar a autuação

Em primeiro lugar, porque, conforme os fatos e análise do voto vencedor, o contrato dizia respeito a uma mera licença de distribuição de software, que não envolvia acesso ao código fonte do software.

Vale destacar que os contratos de Licença de uso de software e de distribuição de software (como é o presente caso) constam na Lista do art. 1º da Resolução nº 156/2015 da Diretoria de Contratos, Indicações Geográficas e Registros (DICIG) do INPI, de contratos que não implicam transferência de tecnologia, conforme incisos XV e XVI do referido artigo.

Em segundo lugar, pois embora houvesse previsão de possível transferência de tecnologia, essa não ocorreu efetivamente (ou ao menos não foi comprovada pela fiscalização). 

Com isso, é importante ressaltar a necessidade de efetiva transferência de tecnologia para incidência da CIDE nos casos envolvendo softwares, de tal sorte que mera presunção da fiscalização com base em previsão contratual não é suficiente para caracterizar a materialidade da CIDE em tais hipóteses.

Nesse cenário, os contribuintes devem estar atentos aos termos dos seus contratos, pois podem acabar pagando a CIDE quando da remessa ao exterior por pagamentos por licenças de uso ou de distribuição sem qualquer transferência de tecnologia.

Autor:
Jorge Ricardo da Silva Júnior (jorge@charneski.com.br)

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