IRPJ E CSLL – INCENTIVOS DE ICMS – INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO
Lei nº 14.789/23 modifica as regras sobre a tributação federal dos incentivos fiscais de ICMS
por Enrico de Carpena Ferreira Correa de Barros publicado em 15/01/2024Em 29/12/2023, com a publicação da Lei nº 14.789/23, iniciou-se um novo capítulo de uma disputa que parecia ter-se encerrado: trata-se da controvérsia envolvendo a incidência de tributos federais sobre incentivos fiscais concedidos por outros entes federativos. Como veremos, entendimentos pacificados nos últimos anos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da incidência do Imposto sobre a Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os incentivos fiscais de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) são revistos pela Lei nº 14.789/23.
A nova lei foi originada na Medida Provisória (MP) nº 1.185/23, editada pelo Poder Executivo em 30/08/2023, com o objetivo de modificar o regime anterior de tributação dos incentivos fiscais de ICMS caracterizados como subvenções para investimento, para fins da incidência do IRPJ e da CSLL. Além das disposições sobre a tributação desses incentivos fiscais, a Lei nº 14.789/23, resultante da conversão, introduziu normas não previstas no texto original da MP que modificam a forma de apuração da base de cálculo dos Juros sobre Capital Próprio (JCP).
No regime de tributação anterior à Lei nº 14.789/23, os contribuintes beneficiários de incentivos de ICMS caracterizados como subvenção para investimento estavam legitimados a excluir esses valores das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Conforme foi divulgado neste Portal, nesses casos, o STJ havia pacificado o entendimento acerca da matéria no julgamento do Tema Repetitivo 1.182 e dos Embargos de Divergência nos Recursos Especiais (EREsp) 1.517.492/PR e 1.443.771/RS. Definiu-se que os benefícios fiscais de ICMS não caracterizados como créditos presumidos – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – somente podiam ser deduzidos das referidas bases de cálculo se cumpridos os requisitos do art. 30 da Lei nº 12.973/14 (destinação dos valores do subsídio à reserva de incentivos fiscais e vedação a sua distribuição a sócios ou acionistas da pessoa jurídica). Atendidos esses requisitos, a Receita Federal do Brasil (RFB) não poderia exigir a demonstração de concessão desses incentivos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Já nas hipóteses de créditos presumidos de ICMS, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que a tributação federal representava violação ao pacto federativo, não se condicionando a referida exclusão ao cumprimento dos requisitos do art. 30 da Lei nº 12.973/14.
Ocorre que o ordenamento foi profundamente alterado pela Lei nº 14.789/23, a qual, de um lado, revogou o mencionado art. 30 da Lei nº 12.973/14 e, de outro lado, introduziu uma nova espécie de crédito fiscal baseado no valor recebido a título de subvenção para investimento.
Em síntese, no regime introduzido pela Lei nº 14.789/23, os contribuintes deverão obrigatoriamente incluir as subvenções para investimento nas bases de cálculo do IRPJ, da CSLL, da Contribuição o PIS e da COFINS. Todavia, as empresas habilitadas junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) que receberem subvenções para implantação ou expansão de empreendimentos econômicos poderão apurar crédito fiscal correspondente à alíquota do IRPJ de 25% (vinte e cinco por cento). Ou seja, deixa-se de excluir os valores da subvenção para investimento das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, mas, em contrapartida, os contribuintes receberão o chamado “crédito fiscal de subvenção para investimento”.
Há algumas inovações normativas que merecem especial destaque:
- Habilitação junto à RFB: como visto, para ter direito ao crédito fiscal, a pessoa jurídica deve ser habilitada junto à RFB. Isso significa que ela deverá comprovar que (1) é beneficiária de subvenção, (2) dispõe de ato concessivo da subvenção editado anteriormente à implantação ou à expansão do empreendimento econômico; e (3) esse ato estabelece expressamente as condições e contrapartidas a serem observadas pelo contribuinte. No procedimento de habilitação, é assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório e, caso a RFB não aprecie o referido pedido em 30 (trinta) dias, ocorrerá a habilitação tácita do contribuinte;
- Apuração do crédito fiscal: a pessoa jurídica habilitada poderá apurar crédito fiscal de subvenção para investimento, que corresponderá ao produto das receitas de subvenção e da alíquota de 25% (vinte e cinco por cento) relativa ao IRPJ;
- Restrições à apuração do crédito fiscal: poderão ser computadas somente as receitas de subvenção que: (1) estejam relacionadas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico; (2) sejam reconhecidas após o protocolo do pedido de habilitação da pessoa jurídica; (3) sejam relacionadas às despesas de depreciação, amortização ou exaustão ou de locação ou arrendamento de bens de capital; e (4) que tenham sido computadas nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Ainda, fica vedada a apuração do crédito fiscal relativamente (a) à parcela da receita que superar o valor das despesas de depreciação, amortização ou exaustão ou de locação ou arrendamento de bens de capital; (b) à parcela da receita que superar o valor das subvenções concedidas, e (c) à receita decorrente de incentivos de IRPJ e do próprio crédito fiscal de subvenção para investimento;
- Utilização do crédito fiscal: o crédito deverá ser apurado na Escrituração Contábil Fiscal (ECF) relativa ao período de apuração das subvenções, podendo ser compensado com débitos próprios de tributos administrados pela RFB ou ressarcido em dinheiro – nesse último caso, o pagamento será feito no 24º (vigésimo quarto) mês posterior ao reconhecimento das receitas;
- Ausência de exigência de destinação dos valores a reservas de lucros: a lei deixou de exigir expressamente que os valores recebidos a título de subvenção para investimento sejam registrados na reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404/76, tal como dispunha o revogado art. 30 da Lei nº 12.973/2014;
- Impactos nos precedentes do STJ: com a revogação do art. 30 da Lei nº 12.973/14, pretende-se, em verdade, liquidar os efeitos da decisão do Tema Repetitivo 1.182, no qual o STJ definiu que, atendidos os requisitos do mencionado artigo, não se poderia exigir a demonstração de concessão desses incentivos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Da mesma forma, cria-se um cenário de insegurança jurídica a respeito das possíveis interpretações que a RFB dará nos casos de créditos presumidos de ICMS, em que sequer se poderia condicionar a exclusão ao cumprimento dos requisitos do art. 30 da Lei nº 12.973/14 (conforme decidido nos EREsp’s 1.517.492/PR e 1.443.771/RS). Nesse sentido, é possível que os contribuintes venham a questionar a validade do novo regime de tributação do ponto de vista da violação ao pacto federativo, no que diz respeito aos créditos presumidos de ICMS, a fim de se resguardarem de eventual interpretação em sentido contrário por parte do Fisco;
- Majoração da carga tributária: em termos práticos, a nova lei estabelece uma majoração na tributação dos incentivos fiscais, pois, as empresas deverão pagar IRPJ (25%), CSLL (9%) e PIS/COFINS (9,25%) sobre os valores da subvenção para investimentos e, depois, receberão um crédito fiscal de 25% (equivalente somente à alíquota do IRPJ). Isso é, a carga tributária total será de 43,25% sobre incentivos fiscais de ICMS e o crédito fiscal correspondente será de apenas 25%; e
- Produção de efeitos: a Lei nº 14.789/23 já está em pleno vigor, pois passou a produzir efeitos em 01º de janeiro de 2024 – não alcançando, pois, fatos tributáveis verificados até 31/12/2023, quando ainda vigente o art. 30 da Lei nº 12.973/14.
É importante, ademais, que as empresas beneficiárias de incentivos fiscais avaliem a forma de contabilização das receitas de subvenção, que passam a ser tributáveis.
Além disso, conforme antecipado, a Lei nº 14.789/23 alterou as regras sobre a forma de apuração da base de cálculo dos Juros sobre Capital Próprio.
Como se sabe, a distribuição dos JCP é uma forma de remuneração de acionistas, sócios ou cotistas, em razão do capital anteriormente investido na sociedade. Trata-se de uma alternativa à remuneração por meio de dividendos, pois esses são indedutíveis, ao passo que os valores distribuídos a título de JCP são dedutíveis das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL na sistemática do lucro real, independentemente do tipo societário.
Anteriormente à publicação da Lei nº 14.789/23, o art. 9º da Lei nº 9.249/95 definia que os JCP seriam calculados sobre as contas do patrimônio líquido, não havendo maiores restrições ao cálculo dos JCP na redação original do § 8º desse dispositivo. Considerava-se, para tanto, o capital social, as reservas de capital e de lucros, as ações em tesouraria e os prejuízos acumulados.
Contudo, o art. 18 da Lei nº 14.789/23 modificou a composição da base de cálculo dos JCP e introduziu novas balizas para a apuração desse mecanismo remuneratório. Assim, passa-se a considerar:
- apenas o capital social integralizado;
- as reservas de capital formadas a partir da subscrição de ações que ultrapassar o valor nominal, e o preço de emissão de ações sem valor nominal, de modo que as demais reservas de capital não serão mais computadas no cálculo;
- as reservas de lucro, excluindo-se a reserva de incentivo fiscal; e
- os lucros ou prejuízos acumulados – e não mais só os prejuízos acumulados.
Além disso, há dois pontos adicionais que reduzem a base de cálculo dos JCP. Conforme o § 8-A do mencionado art. 9º (incluído pela nova lei): (a) não devem ser consideradas as variações positivas no patrimônio líquido que decorram de atos societários realizados entre partes dependentes que não envolvam efetivo ingresso de ativos, com aumento patrimonial em caráter definitivo; bem como (b) devem ser considerados lançamentos contábeis redutores realizados em rubricas de patrimônio líquido, quando esses lançamentos decorrerem dos mesmos fatos que deram origem a lançamentos contábeis positivos.
Em vista dessas modificações normativas, é fundamental que os contribuintes estejam atentos ao novo regime tributário dos incentivos fiscais e à nova forma de cálculo dos JCP, buscando orientação técnica e qualificada para verificar, caso a caso, a melhor forma de resguardar seus direitos, sobretudo porque a Lei nº 14.789/23 passou a produzir efeitos em 01° de janeiro de 2024.
Autor:
Enrico de Carpena Ferreira Correa de Barros (enrico@charneski.com.br)