ITCMD – IR – INSS – DISTRIBUIÇÃO DESPROPORCIONAL DE LUCROS
Decisões judiciais e administrativas abordam casos peculiares
por Rafael Baumann publicado em 21/03/2025Nos últimos tempos, tribunais judiciais e administrativos têm se deparado com uma série de casos que envolvem a distribuição desproporcional de lucros e dividendos em sociedades empresárias, gerando discussões sobre a legitimidade dessa prática e seus reflexos tributários. Em especial, os julgados vêm refletindo entendimentos distintos sobre quando a distribuição pode ser considerada válida ou quando pode ser tratada como uma tentativa de elisão fiscal.
Em caso julgado em 16/12/2024, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), na Apelação Cível nº 1089011-58.2023.8.26.0053, proferiu decisão importante. A 4ª Câmara de Direito Público do TJSP determinou a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) em um caso de distribuição desproporcional de lucros, caracterizando-a como uma doação disfarçada.
O caso julgado pelo TJSP envolve a distribuição desproporcional de lucros em uma sociedade familiar, em que os sócios majoritários (pais) transferiram uma parte significativa dos lucros aos sócios minoritários (filhos).
Como destacado na decisão, a distribuição desproporcional é uma operação societária que ocorre quando os lucros de uma empresa são divididos entre os sócios ou acionistas de forma desigual, sem considerar a proporção do capital investido por cada um, sendo possível nas sociedades limitadas por intermédio de uma cláusula no contrato social
Contudo, no caso concreto, em 2017, os dois sócios minoritários, que detinham 1% de participação no capital social cada, receberam 90% dos lucros daquele ano, o que, sem uma justificativa apresentada, caracterizaria uma doação para o Tribunal.
Por outro lado, em caso diferente, julgado em 06/03/2025, a 1ª Turma da 2ª Câmara da 2ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) decidiu, por unanimidade, que é legítima a distribuição desproporcional de lucros em uma sociedade formada por médicos, afastando a aplicação de contribuição previdenciária sobre os valores distribuídos entre os profissionais (Acórdão nº 2201-012.005).
O processo, de número 10166.724874/2019-35, envolveu negócio composto por médicos que prestam serviços para hospitais. A sociedade realizava o faturamento em nome da empresa, com a distribuição dos lucros entre os sócios de acordo com o volume de serviços prestados por cada um. Um dos sócios detém a maior participação no capital social, o que reflete no montante de lucros que lhe são atribuídos.
O Fisco, por sua vez, argumentou que os valores pagos aos sócios deveriam ser considerados como pró-labore, pois não haveria uma relação direta com o capital investido, mas sim com a quantidade de trabalho executado. Além disso, a Fazenda sustentava que a distribuição de lucros de forma desproporcional iria contra a regra de que a remuneração de um sócio deve ser proporcional à sua participação no capital social da empresa.
No entanto, a defesa alegou que não existiria qualquer norma que impedisse os sócios de assumir riscos do negócio e distribuir lucros de maneira variável, dependendo da contribuição de cada um para o faturamento da sociedade. A argumentação ressaltou que a distribuição desproporcional é prática comum em sociedades desse tipo, em que o sócio que mais contribui com o faturamento da empresa recebe uma maior fatia dos lucros.
O Conselheiro Relator Fernando Gomes Favacho acolheu os argumentos da defesa, reconhecendo que não há qualquer impedimento legal para que os sócios definam a distribuição dos lucros exclusivamente por meio de dividendos, sem a necessidade de um valor fixo de pró-labore. O entendimento do relator foi acompanhado por unanimidade pelos demais conselheiros da turma, resultando na decisão favorável à sociedade.
Essa decisão do CARF reforça a possibilidade de flexibilização na forma de remuneração de sócios em sociedades, especialmente quando há variação na contribuição de cada um para o sucesso da empresa, sem a obrigação de uma distribuição proporcional ao capital social.
Da análise dos casos trazidos, infere-se que os dois julgados demonstram a divergência que ainda pode existr sobre o tratamento jurídico da distribuição desproporcional de lucros, evidenciando que, enquanto alguns tribunais exigem uma justificativa comercial clara para que a prática seja considerada legítima, outros reconhecem a flexibilidade dessa prática, dependendo da natureza da sociedade e das contribuições individuais de seus sócios.
A avaliação desses entendimentos é importante para que as empresas possam planejar suas distribuições de forma segura, considerando o contexto fático utilizado para fundamentar a requalificação dos pagamentos pela sociedade e as justificativas da operação, evitando questionamentos fiscais e possíveis penalidades.
Afinal, a distribuição desproporcional, baseada em deliberações da ata de reunião e previsão no contrato social, e por vezes até mesmo em acordos de sócios, é prevista em lei, atestando a sua natureza jurídica societária e não de mera liberalidade.
Autor:
Rafael Baumann (rafael@charneski.com.br)
Resumo:
Recentes decisões do TJSP e do CARF sobre a distribuição desproporcional de lucros mostram entendimentos divergentes sobre a prática, resultando em implicações diversas. A avaliação desses entendimentos é relevante para que as empresas possam planejar suas distribuições de forma segura, considerando o contexto fático utilizado para fundamentar a requalificação dos pagamentos pela sociedade e as suas justificativas, evitando questionamentos fiscais e possíveis penalidades.