PIS E COFINS – BASE DE CÁLCULO – ICMS – GROSS-UP

Recentes mudanças legislativas trazem novos desdobramentos ao julgamento do Tema 69/STF
por Gustavo de Moraes Roehe publicado em 08/10/2023

A formação de preços de produtos e mercadorias nunca foi tarefa simples ou elementar. Além dos fatores econômicos como a inflação da moeda, a elasticidade da oferta e demanda dos produtos e disputas concorrenciais pela “fatia” do mercado, os preços são afetados pelo custo fiscal envolvendo o comércio das mercadorias, sendo o planejamento tributário expediente corriqueiro para mensurar o impacto fiscal incidente sobre a atividade empresarial.

Nesse contexto, uma prática muito conhecida e utilizada para a formação de preços é o “gross up”, especialmente para determinar a previsibilidade da carga tributária incidente sobre determinada mercadoria e a receita líquida obtida pela sua comercialização. Em síntese, a prática significa repassar o valor de tributos (como o ICMS, PIS e COFINS) ao adquirente da mercadoria, de modo a preservar a integralidade do custo e da margem de lucro desejada para venda de determinado bem ou produto.

Para transferir integralmente o valor do tributo ao adquirente, a utilização do método do gross up pode ser ilustrada na aplicação de uma regra de três. Se para determinada operação interna de venda de mercadoria, a receita líquida desejada por um contribuinte situado no Estado do Rio Grande do Sul, que recolhe o PIS e a COFINS pela sistemática não-cumulativa, é de R$ 100,00, esse valor representa 73,75% da nota fiscal de venda, uma vez que abatidas as alíquotas de ICMS (17%), PIS (1,65%) e COFINS (7,6%). De outro lado, o valor total da nota fiscal de venda (100%) é encontrado através da regra de três (gross up), alcançando a quantia de R$ 135,59.

Em outras palavras, para que o contribuinte aufira uma receita líquida de R$ 100,00 pela venda de determinada mercadoria, o valor total da operação deve ser de R$ 135,59, sendo que o valor de R$ 35,59 constitui o custo tributário do ICMS, PIS e COFINS incidente sobre a venda e a receita bruta registrada pelo contribuinte, repassado ao adquirente. De imediato, verifica-se que o método do gross up leva a alíquota somada nominal dos 3 tributos de 26,25% (17% + 1,65% + 7,6%) a uma alíquota efetiva de 35,59%.

Nesse contexto, é importante rememorar o julgamento do Tema 69 (RE 574.706/PR) pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”), ocorrido em 02/10/2017 e que recebeu a alcunha de “tese do século” pela imprensa e mídia especializada. Na ocasião, o STF decidiu que o ICMS não seria receita tributável pelo PIS e pela COFINS, na medida em que o numerário não representa acréscimo patrimonial ao contribuinte, transitando temporariamente pelos registros contábeis da empresa até ulterior repasse ao Estado competente.

Posteriormente, em sede de embargos de declaração, julgados pelo STF em 13/05/2021, a Corte esclareceu que o ICMS a ser excluído das bases de cálculo do PIS e da COFINS seria o “destacado” (débito do imposto informado na nota fiscal), e não o “recolhido” (valor pago ao Estado após o confronto entre débitos e créditos – interpretação até então defendida pelo fisco).

Com isso em vista, a fim de adequar a legislação tributária ao entendimento do STF esposado no RE 574.706/PR, em 30/05/2023 foi editada a Lei nº 14.592/23 (que originalmente tratava-se da MP 1.159/2023), promovendo importantes alterações nas Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03, que tratam do PIS e da COFINS não-cumulativos, respectivamente.

As alterações feitas pela Lei nº 14.592/23 no art. 1º, § 3º, inciso XIV, da Lei nº 10.637/02, e no art. 1º, § 3º, inciso XIII, da Lei nº 10.833/03 passaram a estabelecer que as receitas decorrentes do ICMS incidente sobre as operações de vendas de mercadorias (“ICMS incidente”) devem ser excluídas das bases de cálculo de PIS e COFINS.

De pronto, verifica-se uma distinção na nomenclatura utilizada pelo legislador em relação ao termo empregado pelo STF. Enquanto o diploma legal prevê a exclusão do ICMS incidente das bases de cálculo do PIS e da COFINS, o STF consignou em sede de embargos de declaração que seria o ICMS destacado a ser extirpado das bases de cálculo das referidas contribuições.

A distinção não é meramente terminológica. Com efeito, ao retomar o exemplo do gross up efetuado anteriormente, retirar o ICMS destacado nessa operação (isto é, subtrair R$ 23,05 do valor da nota fiscal de R$ 135,59) levaria a uma base de cálculo de R$ 112,54. Por outro lado, ao refazer o gross up da operação sem considerar o ICMS incidente sobre a receita bruta, chegar-se-ia a uma base de cálculo menor, de R$ 110,19, gerando uma economia adicional de PIS e COFINS de R$ 0,22, pouco mais de 10% do valor original calculado.

Essa constatação leva o intérprete da lei a refletir sobre dois cenários. Primeiro, se o método de cálculo atinente à exclusão do ICMS incidente da base tributável do PIS e da COFINS poderia ser aplicado a decisões judiciais transitadas em julgado anteriormente à edição do referido diploma legal, que determinem a exclusão do ICMS (sem especificar se o “destacado” ou o “recolhido”) das bases de cálculo das contribuições.

Caso positivo, é necessário perquirir se o contribuinte que se encontra nessa situação poderia rever administrativamente o valor do crédito habilitado, ou se seria necessário o ajuizamento de nova ação para ver declarado o seu direito de excluir o ICMS incidente das bases de cálculo do PIS e da COFINS, retroagindo aos últimos 05 (cinco) anos.

Em segundo lugar, caso o contribuinte possua decisão judicial transitada em julgado anteriormente à edição da Lei nº 14.592/23, com a indicação expressa de exclusão do ICMS “destacado” ou “recolhido” das bases de cálculo do PIS e da COFINS, é preciso investigar se as alterações promovidas pela lei podem alcançar e modificar os termos dessas decisões, para fins de aplicação do método de cálculo de exclusão do ICMS incidente, tanto para o passado quanto para o futuro.

É possível vislumbrar que os cenários avistados acima serão objeto de intensos debates entre contribuintes e Fisco, prometendo ocupar, em um futuro próximo, o contencioso tributário brasileiro. No momento, em que pese defensável a aplicação do método de cálculo da exclusão do ICMS incidente sobre as bases de cálculo do PIS e da COFINS, especialmente a partir da edição da Lei nº 14.592/23, aguarda-se um posicionamento da Receita Federal do Brasil sobre o assunto.

Autor:

Gustavo de Moraes Roehe (gustavo@charneski.com.br)

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