SOCIEDADES POR AÇÕES – RESERVAS DE LUCROS – LIMITES
Retenção de lucros em companhias deve ser justificada e reservas no PL devem observar limites
por Heron Charneski e Juliana Kauer Prato publicado em 18/04/2023Como forma de incentivar o mercado de renda variável e não submeter os minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria, a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76, ou Lei das S.A.) impõe limites à liberdade dos acionistas no tocante à distribuição de lucros em sociedades constituídas como S.A.’s.
A tal efeito, destaca-se a previsão do direito dos acionistas de receberem como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto (que poderá fixar os critérios) ou, se este for omisso, o mínimo de metade do lucro líquido do exercício “ajustado” ou de 25% desse lucro “ajustado”, quando a assembleia-geral deliberar alterar o estatuto para introduzir a matéria (art. 202, caput e § 1º, LSA). O lucro líquido “ajustado”, para fins do dividendo mínimo obrigatório, é o lucro contábil do exercício, diminuído ou aumentado pela formação ou reversão de determinadas reservas no patrimônio líquido.
As reservas de lucros são aquelas constituídas pela apropriação de lucros da companhia no patrimônio líquido. As reservas de lucros cuja constituição é autorizada pela Lei das S.A. são as seguintes:
- Reserva legal (art. 193): sendo a única de constituição obrigatória, a 5% do lucro líquido do exercício e não pode exceder a 20% do capital social. Possui como finalidade assegurar a integridade do capital social e somente pode ser utilizada para compensar prejuízos ou aumentar o capital, consoante o § 2º, do art. 193, da Lei das S.A. A reserva legal, nos termos do §1º, do art. 193, da Lei das S.A., é dispensada quando as reservas de capital, somadas à reserva legal, excederem de 30% do capital social.
- Reservas estatutárias (art. 194): podem ser criadas de acordo com as necessidades da companhia, mas, para tanto, o estatuto social deve (a) indicar, minuciosamente, a sua finalidade; (b) fixar os critérios para determinar a parcela anual dos lucros líquidos que serão destinados à sua constituição; e (c) estabelecer o limite máximo da reserva.
- Reservas para contingências (art. 195): são destinadas para compensar diminuição de lucro proveniente de perdas prováveis que a sociedade possa vir a enfrentar. Para tanto, deve ser indicada a causa da perda prevista e justificada a constituição da reserva. Além disso, podem ser desconstituídas no exercício em que deixar de existir a causa que a originou ou em que ocorrer a perda.
- Reserva de incentivos fiscais (art. 195-A): trata-se de reserva constituída pela parcela do lucro líquido decorrente de doações ou subvenções governamentais para investimentos, que transitaram pelo resultado.
- Reserva para retenção de lucros conforme orçamento de capital (art. 196): trata-se de retenção de parcela do lucro líquido do exercício prevista em orçamento de capital proposto pela administração e aprovada pela assembleia-geral. É constituída, geralmente, para financiar a execução de projetos da companhia, como expansão, abertura de filiais e outros. O orçamento aprovado pela assembleia-geral ordinária deve ser revisado anualmente, quando tiver duração superior a um exercício social.
- Reserva de lucros a realizar (art. 197): é constituída quando o dividendo obrigatório – calculado nos termos do estatuto ou conforme o art. 202, da Lei das S.A. – excede a parcela realizada do lucro líquido do exercício. Sua finalidade é ajustar o dividendo obrigatório à parcela realizada do lucro líquido, evitando-se a descapitalização da companhia caso viesse a distribuir lucros não-realizados.
Como se vê, com exceção da reserva legal obrigatória, a constituição de reservas de lucros no patrimônio que implique retenção de lucros da companhia deve ser devidamente justificada, enquadrando-se em uma das hipóteses legais.
Além dos limites estabelecidos em lei para a constituição de reservas, a Lei das S.A. também veicula dispositivos que afirmam a necessidade de destinação do lucro líquido do exercício, sendo eles:
- Limite da constituição de reservas estatutárias e de reserva para retenção de lucros conforme orçamento de capital: as destinações a essas reservas não poderão ser aprovadas, em cada exercício, em prejuízo da distribuição do dividendo obrigatório (art. 198, LSA).
- Limite do saldo das reservas de lucros: o saldo das reservas de lucros, exceto as para contingências (art. 195), de incentivos fiscais (art. 195-A) e de lucros a realizar (art. 197), não poderá ultrapassar o capital social (art. 199, LSA). Caso o limite seja atingido, a assembleia deve deliberar sobre aplicação do excesso na integralização ou no aumento do capital social ou na distribuição de dividendos.
- Destinação obrigatória de lucros como reservas, ou sua distribuição ou capitalização: os lucros não destinados como reservas, de acordo com as condições e limites acima vistos, deverão ser distribuídos como dividendos (art. 202, § 6º, LSA), podendo a assembleia também destiná-los à capitalização. A figura de “lucros acumulados”, muito utilizada no passado para absorver lucros não-distribuídos e sem uma destinação específica, foi formalmente revogada do regime das S.A’s (art. 178, § 2º, III, na nova redação dada pela Lei nº 11.941/09).
As disposições aqui comentadas corroboram que a autonomia de vontade para distribuição ou não de lucros em sociedades constituídas como companhias não deve servir à retenção injustificada desses lucros. Por isso, é de fundamental importância o conhecimento das contas do patrimônio líquido para que se fruam plenamente as vantagens de atração de capitais desse tipo societário.
Autor:
Heron Charneski (heron@charneski.com.br) e Juliana Kauer Prato (juliana@charneski.com.br)